segunda-feira, 3 de novembro de 2014

COBERTURA MIC: UM BEIJO PARA GABRIELA, por Janaína Oliveira

Um Beijo para Gabriela: uma puta história!


Na primeira cena, a protagonista está na cozinha. Laura Murray, produtora do filme Um Beijo para Gabriela, lembra que, nunca pensou que gravar a prostituta aposentada fazendo arroz, como uma mulher qualquer, seria um ato revolucionário, em relação ao preconceito sofrido pelas prostitutas.

O documentário, exibido pela primeira vez em Ouro Preto, nesta quinta-feira (09), através da I Mostra Internacional de Cinema, em parceria com o Coletivo Batalho, é um registro íntimo da campanha a deputada federal, em 2010, de Gabriela Leite, a primeira prostituta a concorrer a um mandato no Congresso Nacional Brasileiro, com outros 822 oponentes.

Após a apresentação do filme, que foi exibido no Cine Vila Rica, Laura conversou com os participantes da Mostra sobre sua amizade com Gabriela, seu trabalho e a luta das prostitutas no Brasil.

Do encontro
Ao falar de como foi seu primeiro contato com sua protagonista, Laura se emociona. No Brasil desde 2004, a diretora conta que conheceu Gabriela durante uma pesquisa realizada com prostitutas em Corumbá, Mato Grosso do Sul. “Foi uma relação de amizade que precisei conquistar aos poucos. Fui completamente cativada pela Gabriela e começamos a conversar sobre essa filmagem”, afirma Laura.

A partir de seu convívio pessoal com Gabriela, a diretora teve a oportunidade de mostrar o outro lado da prostituição, com uma abordagem mais humana e fora de estigmas. Rodado sem nenhum tipo de financiamento, o filme ainda mostra a força de uma mulher que rompe as barreiras do preconceito, em meio a um sistema político dominado pelo gênero masculino.

A Daspu
“Daspu é uma puta parada, Daspu é uma parada de puta”. Foi com esse hit inusitado e irreverente, que, em dezembro de 2005, Gabriela Leite criou a grife de roupas femininas, voltada para prostitutas, a Daspu. O projeto tem como objetivo viabilizar financeiramente a sua luta pelo reconhecimento legal da prostituição, que ela viria a defende como candidata federal na campanha de 2010. A ideia foi difundida através de sua ONG Davida, existente desde 1992, com o intuito de garantir os direitos das prostitutas e atrair a atenção da sociedade para seus questionamentos.

A palavra puta
Para Gabriela, a palavra puta só é associada a algo ruim por preconceito social e assume, inclusive, o seu orgulho em ser chamada assim. “Eu acho essa palavra sonora, quente. Toda puta, se não vivesse com tanto estigma em suas cabeças, usariam [a palavra] e acho que a gente começaria até a vencer o preconceito antes. Eu, que não fui uma grande mãe, ficava preocupada, porque as minhas filhas eram ‘filhas da puta’? Isto é, o maior palavrão da sociedade. Isso é horrível, então a gente tem que mudar. ‘Filha da puta’ deve ser um nome de orgulho pras filhas da gente. Então é esse meu pensamento, eu acho que se a gente não toma as palavras pelo chifre, não se muda nada. Então se você me perguntar o que sou vou dizer com orgulho: sou uma puta”, relata.

Projeto de Lei Gabriela Leite e os “vários feminismos”
O deputado do PSOL-RJ, Jean Wyllys lançou o projeto de lei Gabriela Leite, que visa à regulamentação da prostituição como profissão. Sobre ser a favor da lei, que leva o nome de Gabriela e suas dificuldades em ser aprovada, Laura aponta como um dos principais problemas as divergências de opiniões dentro do que chama de “vários feminismos”, no Brasil.

“Eu me considero feminista e a Gabriela também. E ela [Gabriela] gostava de mostrar para outras feministas que ela podia ser puta e feminista. Isso chocava, mostrar para aquelas mulheres que ela podia se identificar como tal.”

Laura conta ainda que, devido a algumas reações, passaram a recusar convites para debates.

“Eu acompanhava aquilo [os debates] imaginando alguém que acredita em Deus atacando um ateu, porque são ideologias completamente diferentes. Tem um movimento feminista que no fundo acredita que a prostituição no Brasil nada mais é que a exploração da mulher, que é impossível que uma mulher possa assumir essa posição de prostituta de um lado de direitos, como Gabriela. Para elas é sempre opressão. Para mim e para Gabriela o que sempre foi mais difícil é como o movimento, como esse feminismo não reconhece o movimento de prostitutas. Você tem um movimento de prostitutas que fala que quer continuar na profissão, e eu acho hipócrita silencia-las”, finaliza.

Em uma das gravações registradas de Gabriela, Laura a questiona do que é importante que as pessoas saibam, para entenderem o filme. Gabriela sem pensar muito fala sobre liberdade. “O que as pessoas precisam lembrar é do meu sentimento de liberdade pessoal. Isso é a grande faceta da minha vida. Então é assim que eu sou, em todas as decisões que tomei, inclusive de ser prostituta.”

Gabriela Leite nasceu em São Paulo, em 1951. Dona de suas vontades, a até então estudante de sociologia, trocou a faculdade pela prostituição. Foi ativista pela luta dos direitos das prostitutas por mais de 30 anos. Em outubro de 2013, devido a um câncer no pulmão, a prostituta aposentada faleceu.


Parte de sua história está registada da forma que ela mais gostava de ser lembrada: como prostituta. Porém antes, Gabriela foi mulher. E antes de ser mulher foi livre. Uma puta mulher livre! 

Janaína Oliveira


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